terça-feira, 26 de julho de 2022

Ainda Estou Aqui - Marcelo Rubens Paiva

Ainda Estou Aqui - Marcelo Rubens Paiva


Editora: Alfaguara
Ano da Edição: 2015
Páginas: 296
Título Original: Ainda Estou Aqui

Sinopse
Eunice Paiva é uma mulher de muitas vidas. Casada com o deputado Rubens Paiva, esteve ao seu lado quando foi cassado e exilado, em 1964. Mãe de cinco filhos, passou a criá-los sozinha quando, em 1971, o marido foi preso por agentes da ditadura, a seguir torturado e morto. Em meio à dor, ela se reinventou. Voltou a estudar, tornou-se advogada, defensora dos direitos indígenas. Nunca chorou na frente das câmeras. Ao falar de Eunice, e de sua última luta, desta vez contra o Alzheimer, Marcelo Rubens Paiva fala também da memória, da infância e do filho. E mergulha num momento negro da história recente brasileira para contar - e tentar entender - o que de fato ocorreu com Rubens Paiva, seu pai, naquele janeiro de 1971.



Resenha

Esse é daqueles livros que você tem tomar seu tempo para ler. Eu demorei umas semanas para terminar de ler, mas não porque era chato, ou difícil, ou qualquer coisa do tipo. Não, eu só precisava dar umas pausas às vezes para refletir, para ficar revoltada, para ficar triste, ou sei lá. Eu senti tanto com essa narrativa que recomendo imensamente a todos ler esse livro. É uma aula sobre a ditadura de uma forma sensível. O autor narra como se estivesse conversando com um amigo e contando momentos do seu passado.

A família Rubens Paiva não é a vítima da ditadura, o país que é. O crime foi contra a humanidade, não contra Rubens Paiva. Precisamos estar saudáveis, bronzeados para a contraofensiva. Angústia, lágrimas, ódio, apenas entre quatro paredes. - capítulo "A água que não era mais do mar" | página 39 

O livro fala sobre o período da ditadura militar, mas não exatamente daquele jeito histórico. O Marcelo Rubens Paiva conta a sua própria história, a história da sua família, que infelizmente representa a história de centenas de famílias brasileiras. O pai dele, Rubens Paiva, que já tinha sido deputado federal, foi exilado político, preso e depois "desaparecido" da ditadura. Eunice Paiva, mãe de Marcelo e mais 4 irmãos, virou advogada respeitada e ativista em lutas sociais e políticas. 

Nunca se deixou cair no pieguismo, não perdeu o controle diante das câmeras, nem vestiu uma camiseta com o rosto do marido desaparecido. Não culpou esse ou aquele, mas o todo. Não temeu pela vida. Lutou com palavras. - capítulo "Você se lembra de mim?" | página 193 

A história não é narrada de forma linear, nem é gráfica sobre os horrores da ditadura, mas ainda assim é um dos relatos mais fortes que li sobre o período. Porque tudo é contado da perspectiva do autor, que no início era uma criança que de repente nunca mais viu seu pai, que cresceu em meio a esse regime político perverso, que viu sua mãe lutar por 25 anos para finalmente conseguir um "simples" atestado de óbito e depois perecer aos poucos para o Alzheimer. 

Os familiares dos desaparecidos viviam num limbo civil, além de emocional (temos ou não um pai, uma mãe, um filho, uma filha ou netos vivos?). A burocracia engessava atividades corriqueiras. Não sabíamos nem a data em que deveríamos decretar como o dia da morte. - capítulo "Você se lembra de mim?" | página 194 

Muita gente pensa que a ditadura militar brasileira, ou qualquer período de guerra ou ditaduras em qualquer lugar do mundo, é tiro, porrada e bomba 24 horas por dia, em toda esquina. Já vi pessoas quererem relativizar e chamar de "ditabranda", pois já viu fotos de pessoas na praia, ou mostrando que tinham novelas e outras coisas acontecendo, "então, não podia ser tão ruim assim". Elas não entendem que a vida continua, mesmo durante uma ditadura. Sim, muita gente está sendo torturada e assassinada, mas na mesma hora tem gente curtindo um churrasco e passeando no shopping. Tem gente se casando e tem gente com o marido desaparecido para sempre.

A tática do desaparecimento político é a mais cruel de todas, pois a vítima permanece viva no dia a dia. Mata-se a vítima e condena-se toda a família a uma tortura psicológica eterna. Fazemos cara de fortes, dizemos que a vida continua, mas não podemos deixar de conviver com esse sentimento de injustiça. - capítulo "O sacrifício" | página 165 

O livro mostra muito isso. A vida família Paiva seguindo em frente, mas sempre sob aquela sombra do desaparecimento (leia-se: assassinato) de Rubens Paiva. Como Marcelo viajava com os amigos, paquerava garotas, sua mãe trabalhava para cuidar dos 5 filhos, tudo isso enquanto viviam em um limbo burocrático, pois sabiam que o ex-deputado estava morto, mas oficialmente estava vivo, pois não havia um corpo. 

Meu pai, um dos homens mais simpáticos e risonhos que Callado conheceu, morria por decreto, graças à Lei dos Desaparecidos, vinte e cinco anos depois de ter morrido por tortura. - capítulo "A água que não era mais do mar" | página 38 

Eu senti o livro como um desabafo. É surreal você pensar que hoje tem gente que minimiza e até debocha dos mortos e desaparecidos da ditadura, que dizem que "gente de bem não sofreu nada", que o Golpe de 64 foi na verdade uma revolução e fazem celebrações no seu aniversário. A história conta dos horrores cotidianos de uma família despedaçada. E eu precisava dar minhas pausas na leitura para refletir sobre vários pontos abordados, ou para conseguir digerir como eles conseguiram passar por tudo aquilo. Não é apelativo, mas eu senti tudo.

Superar? Impossível. Esquecer? Nem pensar. Tocar. Seguir. Esperar reacenderem outra fogueira no alto, outro facho de luz, que orientasse a volta para a costa, para a terra firme, o chão. - capítulo "Depois do luto" | página 180 



P.S.: Minha irmã já tinha escrito uma resenha do livro e foi ela que me incentivou a lê-lo. Confira a opinião dela aqui.

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